sexta-feira, 9 de maio de 2014

Sonho ou Loucura para NORTON I



Neil Gaiman é um expoente escritor no mundo, e isso se deve muito pelo sucesso de Sandman. O Sonho dos Perpétuos é uma representação antropomórfica da habilidade inata de sonhar dos humanos. Quando fechamos os olhos e imaginamos grandes asas que nos faz voar, ou quando nos atiramos de um grande edifício em um pesadelo recorrente, é no mundo de Sandman que caminhamos (ou nos atiramos, para condizer com o relato). O sonhar é o reino de Sandman. Ele tem imensos poderes, mas esses poderes são apenas usados para a humanidade criar, sonhar com algo sempre maior.
Na edição 31 de Sandman – Três Setembros e Um Janeiro, entramos em contato com a história de Norton I, o primeiro e único imperador dos Estados Unidos da América. Instigado pela irmã Desespero, Sonho coloca na mente de Norton a ideia de proclamar-se o imperador daquele país. Isso deveria permitir que Norton nunca caísse em desespero, nunca tivesse desejo e não caísse em loucura até a sua morte. Um jogo de Sonho com seus outros irmãos. Em toda a trama, somos envolvidos pela ingenuidade de Norton I no mundo. Sua visão da sociedade humana carrega inocência, um frescor muito próximo de nossa infância. É uma fábula moderna.
Não muito diferente da Loucura de Erasmo. Em seu auto-proclamado elogio, a Loucura exemplifica as várias atitudes dos loucos como superior às atitudes dos homens ditos como sãos. Erasmo compreende a loucura como característica natural do homem, e sem ela, nada poderia existir. Veja um exemplo:

“(...) Dizei-me por obséquio: um homem que odeia a si mesmo poderá, acaso, amar alguém? Um homem que discorda de si mesmo poderá, acaso, concordar com outro? Será capaz de inspirar alegria aos outros quem tem em si mesmo a aflição e o tédio? (...) Ora, se me excluirdes da sociedade, não só o homem se tornará intolerável ao homem, como também, toda vez que olhar para dentro de si, não poderá deixar de experimentar o desgosto de ser o que é, de se achar aos próprios olhos imundo e disforme, e, por conseguinte, de odiar a si mesmo.” (pág. 16)

É da natureza humana o amor próprio, e sendo ele um sentimento tão louco, é da natureza humana a loucura. Segundo esse argumento, o homem tem amor por si mesmo sendo o pior ser humano da terra. Claro que temos exemplos que desmitificam essa afirmação, pois se Hitler tivesse amor próprio no fim da guerra, não teria se suicidado. Isso é apenas um exemplo. Mas Erasmo diz que esses governantes não eram loucos, mas sim, amantes das artes e da filosofia.

“(...) Se consultardes os historiadores, verificareis, sem dúvida, que os príncipes mais nocivos à república foram os que amaram as letras e a filosofia.” (pág. 18)

Voltando aos quadrinhos. Norton I, em um diálogo com o Rei da Dor, expõe que nunca teve ambições. Seu subalterno Ah How descreve uma prisão de Norton, e a fala do juiz na sua soltura: “O senhor Norton não derramou sangue algum, não roubou ninguém e não pilhou nenhum país. O que é mais do que pode ser dito da maioria dos sujeitos do ramo de rei.” Um rei sem ambição já pode ser dito como um bom rei. E um rei sem ambição é um rei louco.

“Todos vós estais convencidos, por exemplo, de que um rei, além de muito rico, é o senhor dos seus súditos. Mas, se ele tiver no peito um coração brutal, se for insaciável na sua cobiça, se nunca se mostrar satisfeito com o que possui, não concordareis comigo que é miserabilíssimo? Se ele se deixar transportar por seus vícios e por suas paixões, não se tornará um dos escravos mais vis?.” (pág. 29)

Neste aspecto, a loucura é a única forma de sermos felizes. A loucura nos mostra a verdade. Todo o louco é verdadeiro, mesmo não sendo levando a sério.

“(...) Os meus loucos (...) têm uma vida totalmente oposta [a dos sábios] e observam, para com os príncipes, todas as maneiras que mais costumam agradar, divertindo os outros com mil chacotas e bobagens, com ditos satíricos, com caretas e disparates de fazer qualquer pessoa rebentar de riso. Notai, de passagem, o privilégio que têm os bobos de poder falar com toda a sinceridade e franqueza. Haverá coisa mais louvável do que a verdade?” (pág. 27)


Nos quadrinhos, Sonho e Delírio conversam se Norton I ainda é uma pessoa sã. O diálogo seguinte, entre Norton e Mark Twain, Norton confidência o seguinte: “As pessoas riem de mim... sabia, Sam?
- Você não se importa com isso, majestade?
- E por que deveria, Sam? Deixem que riam. Ainda sou o imperador.” (pág. 12)


A loucura nos mantém sãos; a loucura nos mantém verdadeiros. Isso é ilógico, mas a vida também demonstra incongruências. A vida é uma constante loucura, e a loucura que permite a felicidade. Erasmo tem uma certa razão neste assunto. Necessitamos de certa loucura para não cair em loucura. Esse diálogo demonstrou coisas que os homens tentam esconder, mas que sempre iremos carregar conosco: nosso verdadeiro ser.

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