Uma coisa pouco falada é o
problema da bebida alcoólica na sociedade; isso não é apenas na escola, mas em
todos os setores do convívio humano. Mas o álcool é um problema filosófico ou
não? Pelo menos, o álcool deve ser tratado como problema social, uma droga com
tanto potencial destrutivo quanto o cigarro e as drogas ilícitas.
Mas como fazer isso, se a
bebida alcoólica é associada com festa, alegria e beleza?
Em minhas aulas, é aqui que
entra a declaração de Gilles Deleuze, na sua entrevista intitulada Abecedário
de Deleuze, de 1988.
“Tudo bem beber, se drogar, pode-se fazer
tudo o que se quer, desde que isso não o impeça de trabalhar, se for um excitante
é normal oferecer algo de seu corpo em sacrifício. Beber, se drogar são
atitudes bem sacrificais. Oferece-se o corpo em sacrifício. Por quê? Porque há
algo forte demais, que não se poderia suportar sem o álcool. A questão não é
suportar o álcool, é, talvez, o que se acredita ver, sentir, pensar, e isso faz
com que, para poder suportar, para poder controlar o que se acredita ver,
sentir, pensar, se precise de uma ajuda: álcool, droga, etc.”
O primeiro passo para colocar
essa entrevista em discussão é determinar com o grupo que a bebida alcoólica
não é maligna. Ela tem malefícios, mas não é maligna. A pessoa que bebe álcool
não se torna má. Ela tem o álcool como um estimulante, e neste sentido Deleuze
impõe a responsabilidade de bebê-la no usuário.
“A fronteira é muito simples. Beber, se
drogar, tudo isso parece tornar quase possível algo forte demais, mesmo se se
deve pagar depois, sabe-se, mas em todo caso, está ligado a isto, trabalhar,
trabalhar. E é evidente que quando tudo se inverte, e que beber impede de
trabalhar, e a droga se torna uma maneira de não trabalhar, é o perigo
absoluto, não tem mais interesse, e, ao mesmo tempo, percebe-se, cada vez mais,
que quando se pensava que o álcool ou a droga eram necessários, eles não são
necessários.”
A bebida é tratada como suporte
à pessoa, e se ela não nos impede de trabalhar, ela pode ser consumida sem
maiores problemas. Aqui, faço uma resalva. O conceito ‘trabalho’ para Deleuze é
entendido na mesma via de Marx: trabalho é todo o fazer humano.
“Talvez se deva passar por isso, para
perceber que tudo o que se pensou fazer graças a eles podia-se fazer sem eles.
(...) Eu tenho menos mérito, porque parei de beber por razões de respiração, de
saúde, etc., mas é evidente que se deve parar ou se privar disso. A única
justificação possível é se isso ajuda o trabalho. Mesmo se se deve pagar
fisicamente depois. Quanto mais se avança, mais a gente diz a si mesmo que não
ajuda o trabalho...”
O pensador reconhece sua fraqueza
para com a bebida alcoólica.
(...) Eu tive a sensação de que isso me
ajudava a fazer conceitos, é estranho, a fazer conceitos filosóficos. Ajudava,
depois percebi que já não ajudava, que me punha em perigo, não tinha vontade de
trabalhar se bebesse. Então se deve parar. É simples.
A responsabilidade pela bebida
está na pessoa, mas é aqui que coloco em discussão a visão de nossa sociedade
em relação ao álcool. Por que tratamos como normal uma pessoa largada na
‘sarjeta’, totalmente alcoolizada, e vimos com desconfiança um grupo de pessoas
que usam da maconha em vias publicas?
“Novo estudo da Universidade Federal de São
Paulo (Unifesp), feito com 7 mil famílias em 108 cidades do Brasil, comprova
que o álcool funciona como "combustível" da violência doméstica. Nas
entrevistas feitas durante um ano, os pesquisadores identificaram que em quase
metade das agressões que acontecem dentro de casa (49,8%) o autor das surras
estava embriagado. A relação entre bebida alcoólica e maus-tratos já era
considerada pelos especialistas, mas a evidência científica foi comprovada
nacionalmente só com o ensaio científico.”
O álcool é o principal
combustível da violência domestica no Brasil. O objetivo principal deste
trabalho é discutir com o aluno essa visão apaziguada do alcoólatra na
sociedade. A bebida alcoólica é vendida tranquilamente para nossos jovens, em
qualquer supermercado. Esse pré-julgamento de que a bebida não faz mal para a
nossa sociedade está vinculada a que setor ou grupo empresarial? A quem
beneficia acobertar os malefícios do álcool para a mídia?
Observação: os Slides usados em aula estão
disponíveis na pasta do 4Shared.